à sua volta os pombos cor de lava
nos arabescos pretos do basalto
e gente, muita gente que passava
e se detinha a olhá-la em sobressalto
no seu olhar havia uma promessa
nos seus quadris dançava um desafio
num relance de barco mas sem pressa
que fosse ao sol-poente pelo rio
trazia nos cabelos um perfume
a derramar-se em praias de alabastro
e um brilho mais sombrio quase lume
de fogo-fátuo a coroar um mastro
seu porte altivo punha à vista o puro
princípio do prazer que caminhava
carnal e nobre e lúcido e seguro
com qualquer coisa de uma orquídea brava
e nas ruas da baixa pombalina
sua blusa encarnada era a bandeira
e o grito da revolta na retina
de quem fosse atrás dela a vida inteira.
sexta-feira, 25 de abril de 2014
#4 - princípio do prazer, Vasco Graça Moura
quarta-feira, 23 de abril de 2014
#3 - NOITE, Maria Teresa Horta
o tecido dos teus dedos
e sobre os ombros a franja
do final dos cabelos
Sobre os seios quero
a marca
do sinal dos teus dentes
e a vergasta dos teus
lábios
a doer-me sobre o ventre
Nas pernas e no pescoço
quero a pressão mais
ardente
e da saliva o chicote
da tua língua dormente
quarta-feira, 16 de abril de 2014
#2 - NÚRIA, António Barahona
A lentamente bela bruxa cisne magro
A lentamente mate cor do pão de trigo
A lentamente Núria de navalha e ligas
Ah lentamente o corpo se compara ao cubo
e muda as asas quentes em arestas frias!
Mãos vestidas de roxo a festejar a tristeza
em Sexta-feira Santa d'oração medonha!
Ah lentamente a Espanha em procissão nas ruas,
cabelos degrenhados mais guitarras nuas!
Ah Núria, rosa-névoa, lâmina de pétalas
a recortar raízes dos meus olhos d'húmus!
Ah lentamente lentamente aponto e estico
o arco: assobia a flecha no teu flanco
e, de repente, no meu sangue flui um barco
A lentamente mate cor do pão de trigo
A lentamente Núria de navalha e ligas
Ah lentamente o corpo se compara ao cubo
e muda as asas quentes em arestas frias!
Mãos vestidas de roxo a festejar a tristeza
em Sexta-feira Santa d'oração medonha!
Ah lentamente a Espanha em procissão nas ruas,
cabelos degrenhados mais guitarras nuas!
Ah Núria, rosa-névoa, lâmina de pétalas
a recortar raízes dos meus olhos d'húmus!
Ah lentamente lentamente aponto e estico
o arco: assobia a flecha no teu flanco
e, de repente, no meu sangue flui um barco
Paço d'Arcos, 13.X.72
quarta-feira, 9 de abril de 2014
#1 - INTANGÍVEL, Francisco Costa
«Nuvem, sonho impalpável do desejo»
ANTERO.
ANTERO.
Essa que eu amo e beijo e não existe,
embora exista em mim que a beijo e amo,
nunca há-de vir um dia em que eu a aviste,
nunca a voz hei-de ouvir-lhe quando a chamo.
embora exista em mim que a beijo e amo,
nunca há-de vir um dia em que eu a aviste,
nunca a voz hei-de ouvir-lhe quando a chamo.
Mas não me fugirá. Por mais que diste
quando eu a sua ausência já proclamo,
assim que me percebe fraco e triste
volta, e eu volto a sentir-me escravo e amo.
Sei que é uma visão, sei que a componho
eu mesmo, à semelhança do meu sonho,
dando-lhe a luz fictícia que ela emite.
Mas se à minha alma pode enfim bastar
essa alma ideal, – o meu sedento olhar,
esse procura um corpo onde ela habite.
Etiquetas:
Antero de Quental,
Francisco Costa
Subscrever:
Mensagens (Atom)