terça-feira, 29 de julho de 2014

#13 - ROSAS SEM ESPINHOS, Afonso Lopes Vieira

Esta rosinha de Assis,
sem espinhos, que eu de lá trouxe,
murcha, luminosa e doce,
no seu leve aroma diz:
-- Uma vez tentado foi

o Santo pla carne inquieta;
eis que o desejo lhe dói
numa agonia secreta.


E com a sede dos beijos
e dos ardentes carinhos,
arroja o corpo em desejos
às rosas cheias de espinhos!


Mas nós, quando então o temos
no abraço deste rosal,
os espinhos recolhemos
para lhe não fazer mal.

terça-feira, 22 de julho de 2014

#12 - CANÇÃO DO NU, Afonso Duarte

Lindo
Mármore precioso que na alcova
Surpreendi dormindo!
E lindo
À luz dum fósforo, acendido a medo,
Despertou sorrindo.
E, lindo,
Dos olhos as meninas me saltaram
Para o nu que se estava descobrindo.

Linda!
Ficou-se ao desgasalho adormecida,
Ai vida,
Como ainda não vi coisa tão linda.

Linda,
Braços abertos em desnudo amplexo,
Seu corpo era uma púbere mendiga,
E ele é que estava pedindo,
Lindo,
O meu sexo.

sexta-feira, 18 de julho de 2014

#11 - "Tua frieza aumenta o meu desejo", Eugénio de Castro

Tua frieza aumenta o meu desejo:
Fecho os meus olhos para te esquecer,
Mas quanto mais procuro não te ver,
Quanto mais fecho os olhos mais te vejo.

Humildemente, atrás de ti rastejo,
Humildemente, sem te convencer,
Antes sentindo para mim crescer
Dos teus desdéns o frígido cortejo.

Sei que jamais hei-se possuir-te, sei
Que outro, feliz, ditoso como um rei,
Enlaçará teu virgem corpo em flor.

Meu coração no entanto não se cansa,
Amam metade os que amam com esp'rança,
Amar sem esp'rança é o verdadeiro amor.

Paris, 29 de Setembro de 1889

quarta-feira, 16 de julho de 2014

#10 - INQUIETAÇÃO, E. M. de Melo e Castro

Como por uma fenda no tempo
diviso as sombras do que vem depois,
e tenho medo de dizer que entendo
o que está escrito para lá de agora.

E tenho medo como uma criança
que nem do que é agora sabe nada,
por isso me assusta esta esperança
de ver romper a madrugada.

Navegantes do céu e das estrelas,
dizei-me, ao menos uma vez,
não mais as canções belas,
mas apenas se o que será
é tão como o que vejo
pela fenda no espaço,
pela fenda do desejo...

segunda-feira, 14 de julho de 2014

#9 - APANHADOR DE PÉROLAS, Rosa Alice Branco

Às vezes a noite estende-se através da pele,
mas tu mergulhas até apanhar a pedra
lá no fundo
e uma clareira começa a abrir-se no buraco
por onde esvaziaste a noite.

terça-feira, 1 de julho de 2014

#8 - JÁ ERA QUASE NOITE, Isabel de Sá

De novo ao calor da lareira
e ouvindo uma sonata de Beethoven
a memória impõe-me cenas
que não posso rasurar.

A perigosa linguagem do teu corpo,
a beleza das mãos sobre a página
de um livro onde aprendias
o ofício, a fascinante química
dos produtos que ajudam a viver.

Depois já era quase noite
e tarde de mais para recuar.
Tudo estava perdido; a nossa honra,
o dia de estudo, o conceito de amor.