quarta-feira, 19 de novembro de 2014

#23 - FESTA, Manuel Cândido

Como o potro jovem quer a égua,
como o fogo em lava quer a água,
como o milhafre ansiando a légua,
como a brasa que queima lá na frágua,

como o mar em vida e sem trégua,
como o vento em fúria e sem mágoa,
assim te quero eu: água e égua --
assim te quero eu: légua e frágua.

Como o vinho que a alma embriaga,
como a dança, os frutos e a festa,
como a sarça que arde viva e lesta,

assim te quero eu: dança e sarça,
em fruto e festa e em vinha e garça --
e assim me quero em potro, mar e vaga.

domingo, 16 de novembro de 2014

#22 - "O meu mundo tem estado à tua espera; mas", Maria do Rosário Pedreira

O meu mundo tem estado à tua espera; mas
não há flores nas jarras, nem velas sobre a mesa,
nem retratos escondidos no fundo das gavetas. Sei

que um poema se escreveria entre nós dois; mas
não comprei o vinho, não mudei os lençóis,
não perfumei o decote do vestido.

Se ouço falar de ti, comove-me o teu nome
(mas nem pensar em suspirá-lo ao teu ouvido);
se me dizem que vens, o corpo é uma fogueira --
estalam-me brasas no peito, desvairadas, e respiro
com a violência de um incêndio; mas parto
ante de saber como seria. Não me perguntes

porque se mata o sol na lâmina dos dias
e o meu mundo continua à tua espera:
houve sempre coisas de esguelha nas paisagens
e amores imperfeitos -- Deus tem as mãos grandes.