quarta-feira, 25 de março de 2015

#39 - AQUELE QUE PASSA, Ada Negri

O desconhecido que passa e te acha ainda digna de uma fugidia palavra de desejo,
Talvez porque na sombra da noite tão doce de Maio
Ainda resplendem teus olhos, ainda tem vinte anos a ligeira figuras deslizante,
Não sabe que foste amada, por aquele que amaste amada, em plena e soberba delícia de
                                                                                                                              [amor,
E em ti não há membro ou ponta de carne ou átomo de alma que não tenha uma marca de
                                                                                                                              [amor.
Que tu viveste apenas para amar aquele que te amava,
E nem que quisesses podias arrancar de ti essa veste que o amor teceu.
Ele, ignaro, em ti já não bela, em ti já não jovem, saúda a graça do deus:
Respira, passando em ti, jão não bela, em ti já não jovem, o aromo precioso do deus:
Só porque o levas contigo, doce relíquia à sombra de um sacrário.

(versão de Jorge de Sena)

sábado, 21 de março de 2015

#38 - POUCO ACIMA DAQUELA ALVÍSSIMA COLUNA, Hermes Fontes

Pouco acima daquela alvíssima coluna
que é o seu pescoço, a boca é-lhe uma taça tal
que, vendo-a, ou vendo-a, sem, na realidade, a ver,
de espaço a espaço, o céu da boca se me enfuna
de beijos -- uns sutis, em diáfano cristal
lapidados na oficina do seu Ser;
outros -- hóstias ideais dos meus anseios,
e todos cheios, todos cheios
do meu infinito amor...
Taça
que encerra
por
suma graça
tudo que a terra
de bom
produz!
Boca!
o dom
possuis
de pores
louca
a minha boca!
Taça
de astros e flores,
na qual
esvoaça
meu ideal!
Taça cuja embriaguez
na via láctea do Sonho ao céu conduz!
Que me enlouqueças mais... e, a mais e mais, me dês
o teu delírio... a tua chama... a tua luz...

quarta-feira, 11 de março de 2015

#37 - POLÍTICA, W. B. Yeats

No nosso tempo, o destino do homem propõe o seu sentido em termos de política. (Thomas Mann)
Com esta rapariga ali especada
Como posso eu atentar
Em políticas romanas
Ou russas ou espanholas?
Quem fala é homem viajado
Que há-de saber o que diz,
E muito lido político
Que tudo meditou bem.
Será verdade o que dizem
De guerras e mais desgraças.
Mas quem me dera ser jovem
Com aquela nos meus braços!
(versão: Jorge de Sena)