quinta-feira, 29 de setembro de 2016

#49 - "Ternos amadores caminhavam", Helder Moura Pereira


Ternos amadores caminhavam
no caminho que ia dar ao ponto
mais alto da serra, desapareceram
na luz do sol, davam e tiravam
as mãos, vestiam de maneira quase
igual pelo azul do mar. Espião
apenas do suspeito? Também os
pássaros, os arbustos um pouco
inclinados ao vento, as conchas
calcinadas, mistura de cheiros
bons. Os espinhos secos cravavam-se
nas pernas, vi o que não vi, a
ofegante respiração, o alegre
final. Distante da ameaça e do
perdão deixem-me entrar nesse jogo,
apenas mais um.

terça-feira, 27 de setembro de 2016

#48 - INTANGÍVEL, Cândido Guerreiro

No voo em que me enlevo a procurar-te,
Mergulho no infinito, e até parece
Que um murmúrio de cântico e de prece
Me embala e vai comigo a toda a parte...

E toda a sombra má desaparece,
E toda a luz é para iluminar-te,
A música de Deus para cantar-te,
Por ti se enflora a terra e o sol aquece...

Por ti, que enches o mundo e não te vejo,
Onda incorpórea e hálito disperso,
Nuvem de fogo e sonho de desejo!

Por ti, que diluída no universo,
És o dulçor que encontro em cada beijo,
A harmonia que busco em cada verso!...

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

#47 - DEPOIS DO AMOR, Luís Filipe Parrado

De mais nada posso falar,
só deste cheiro a fruta espessa, crua,
que de ti me fica nos dedos,
na polpa, entre as unhas,
mesmo depois do sabonete e da água corrente.

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

#46 - O DIA, Mário Quintana

O dia de lábios escorrendo luz
o dia está na metade da laranja
o dia sentado nu
nem sente os pesados besouros
nem repara que espécie de ser... ou deus... ou animal é esse que passa no frémito da hora
espiando o brotar dos seios.

domingo, 4 de setembro de 2016

#45 - CAIXA DE AMÊNDOAS, João Saraiva

Ireis, amêndoas, saber
Que incomparável ventura
Às vezes há em sofrer.

Na boca vermelha e pura
Onde vos ides perder,
Se vos atrai certa alvura,
Muito deveis padecer.

Desta espantosa tortura
Só vos podeis defender
Duma maneira segura,
Dando-lhe o gozo e a doçura
De vos sentir derreter.

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

#44 - "Esta flor não cheirada, virginal botão,", Kakidasa

Esta flor não cheirada, virginal botão,
imperfurada jóia, mel nunca provado,
esta forma perfeita, esta celeste dádiva:
que homem humano a tanto é destinado?

(trad.: Jorge de Sena)